Manoel Cunha lutou pela criação da Resex do Médio Juruá, no Amazonas, que abriga mais de 500 famílias
O seringueiro que virou gestor de uma reserva símbolo de sustentabilidade
EXTRATIVISMO
O seringueiro Manoel Cunha, de 54 anos, olha para o passado com orgulho. Nascido nas florestas do Amazonas, ele é da última geração a viver sob o regime de semiescravidão dos seringais do Médio Juruá, tendo sido um dos principais atores da luta pela derrocada desse sistema.
Tudo começou no início dos anos 80, quando teve contato com o Movimento de Educação de Base da Igreja Católica.
Após uma aula sobre a conjuntura social brasileira, Manoel entendeu que os explorados formavam a camada mais populosa da sociedade e que, unidos, poderiam mudar aquela realidade opressora.
“Sou de família religiosa e minha mãe dizia que a gente era pobre porque Deus queria. Mas depois percebi que eu era pobre porque tinha um sistema implantado nos seringais para a gente trabalhar para o rico.”

Manoel Cunha, seringueiro
Outro acontecimento que marcou a vida do extrativista foi a visita, em meados dos anos 80, do então presidente do Conselho Nacional dos Seringueiros, Juarez Leitão.

O presidente do Conselho levou ao Médio Juruá as ideias que fervilhavam nos recantos da Amazônia, como a mobilização para criar as reservas extrativistas.

Com 286 mil hectares, a Resex do Médio Juruá só saiu do papel em 1997, sete anos após o pedido de criação feito por Manoel e outras lideranças locais. Os patrões deixaram a área, e os seringueiros finalmente se apropriaram da gestão do território, dando início a diversas ações que transformaram a unidade em símbolo de sustentabilidade.

Coleta de sementes para a produção de óleos vegetais, manejo de açaí, pirarucu e quelônios para comercialização, e a extração do látex com certificado de serviços ambientais são importantes fontes de renda para as mais de 500 famílias que vivem na Resex.

“Temos a clareza que a organização comunitária, o fortalecimento das instituições e a forma responsável de usar os recursos naturais colaboram com a manutenção das matas. Entendemos que a floresta é mais importante e rentável em pé. O Médio Juruá tem essa compreensão na raiz e isso só traz benefícios para as nossas vidas.”

Manoel Cunha
A Resex do Médio Juruá é uma das mais preservadas da Amazônia. Entre 2008 e 2021, os moradores derrubaram apenas 3,44 km² de mata, um dos menores desmatamentos entre as áreas protegidas na Amazônia brasileira, segundo dados do Prodes (Inpe).

Manoel foi presidente da principal organização do Médio Juruá, a Asproc. Seu trabalho fez com que ele se tornasse reconhecido nacionalmente e, em 2005, foi escolhido para comandar o Conselho Nacional dos Seringueiros.

Mais tarde, em 2016, foi nomeado gestor da Resex pelo ICMBio. Lá, ele atua para manter e potencializar as conquistas da unidade.

“Vim parar no ICMBio por exigência da comunidade. Meu nome sempre esteve à disposição dela, que me conduz para onde achar que eu tenho mais condições de colaborar. Se um dia ela achar que eu não colaboro mais, vou sair daqui feliz e tocar minha vida no seringal como eu sempre toquei, porque o que eu gosto mesmo é de viver no mato e cortar seringa.”

REPORTAGEM
Leandro Chaves

EDIÇÃO
Sílvia Lisboa

IMAGENS Acervo Manoel Cunha e Asproc, Divulgação

MONTAGEM
Laiza Lopes

IDENTIDADE VISUAL Clara Borges