A Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis lançou no último dia 12 de junho, sem consulta prévia à Fundação Nacional do Índio (Funai), um novo pré-edital de licitação para exploração e produção de petróleo e gás em sete blocos.

A Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) lançou no último dia 12 de junho, sem consulta prévia à Fundação Nacional do Índio (Funai), um novo pré-edital de licitação para exploração e produção de petróleo e gás em que sete blocos estão nas proximidades de 15 terras indígenas no Estado do Amazonas. Algumas das terras indígenas estão localizadas em distâncias que variam de 72 a 360 metros da região dos blocos ofertados pela ANP, segundo levantamento da organização não governamental Centro de Trabalho Indigenista (CTI).

Procurada pela agência Amazônia Real, a Presidência da Funai, em Brasília, disse que sem a consulta prévia não pode realizar estudos confirmando a localização exata das terras indígenas e não teve como repassar informações às comunidades. Já a ANP disse à reportagem que enviou ofício comunicando sobre o leilão à Funai.

A ANP informou, em nota, que tem conhecimento acerca da proximidade dos blocos de petróleo e gás com territórios indígenas localizados no Amazonas, mas que “não há sobreposição”. Ou seja, que os blocos não estão “dentro” destes territórios.

Indígenas ouvidos pela Amazônia Real se mostraram surpresos com a oferta dos blocos perto de suas terras. Eles cobraram explicações e mais informações sobre a medida da ANP e exigiram ser consultados.

O estudo do CTI apontou que os sete blocos oferecidos pela ANP no Amazonas circundam 15 Terras Indígenas. As mais afetadas, pertencentes ao povo Mura, são Trincheira, Gavião, Sissaíma, São Pedro, Miguel/Josefa e Rio Juma. O bloco de número AM-T-132, por exemplo, está a 363 metros de distância da TI Trincheira e a apenas 72 metros da TI Miguel/Josefa.

Outros dois dos sete blocos na bacia do Amazonas também estão próximos da Terra Indígena Andirá Marau, do povo Sateré-Mawé. O CTI calculou em dois quilômetros a distância entre os blocos AM-T-111 e AM-T-87 e a terra indígena Sateré-Mawé. (veja mapa detalhado aqui).

A Amazônia Real apurou que as comunidades da etnia Mura próximas dos blocos estão na jurisdição dos municípios de Autazes, Careiro da Várzea e Careiro Castanho, localizados nas proximidades da capital amazonense, Manaus. As terras do povo Mura, nesses três municípios, já sofrem, há vários anos, com a pressão dos impactos do agronegócio, especialmente com danos ambientais causados por fazendas de boi e búfalo.

O pré-edital da ANP faz parte da 13ª Rodada de Licitações de 266 blocos para exploração e produção de petróleo e gás natural em 10 bacias sedimentares, incluindo a bacia do rio Amazonas. Destes, 182 estão na parte terrestre. O cronograma da 13ª Rodada inclui pré-edital, edital, inscrições, entrega de documentos, seminários, apresentação de ofertas, entre outros, até que ocorra a assinatura dos contratos firmados marcada para acontecer no dia 23 de dezembro deste ano.

O CTI mensurou a distância em relação às terras indígenas com base na análise dos arquivos dos blocos em formato shapefile ( arquivo com dados de localização geográfica) disponibilizados no site da ANP e dos arquivos das terras indígenas em mesmo formato disponibilizados pela Funai.

O geógrafo Conrado Octávio, integrante do CTI e um dos responsáveis pelo estudo dos mapas, disse que mediu as equidistâncias mínimas. O CIT tem experiência em trabalhos sobre impactos de atividade de petróleo e gás em terras indígenas. Uma delas, refere-se aos estudos realizados na Terra Indígena Vale do Javari, no oeste do Amazonas, fronteira com o Peru.

Indígenas dizem que não foram comunicados

Índios Mura em reunião do MPF em Autazes (Foto: Ascom/MPF)

Índios Mura em reunião do MPF em Autazes (Foto: Ascom/MPF)

 

A Amazônia Real entrou em contato com duas lideranças indígenas (uma da etnia Mura e outra da etnia Sateré-Mawé) para saber se elas tinham conhecimento do assunto envolvendo o pré-edital do leilão da ANP.

Cláudio Pereira, vice-presidente do Conselho Indígena Mura, ficou surpreso. Ele disse não concordar com qualquer atividade nas proximidades dos territórios indígenas sem que antes os índios Mura sejam consultados. “A empresa tinha que reunir com as comunidades e lideranças. Temos que saber que impactos podem ocorrer. Não aceitaremos isso”, disse Pereira.

Quem também se surpreendeu foi Obadias Garcia, vice-presidente do Conselho Geral da Tribo Satere-Mawé (CGTSM). “Não estou sabendo de nada disso. Se você souber de mais informações, me avise (referindo-se à repórter). Também vamos pedir informações da Funai”, afirmou Garcia.

Os Sateré-Mawé têm um histórico trágico relacionado à atividade de petróleo. Na década de 80, a Petrobras, em parceria com a empresa francesa Elf-Aquitaine, realizou prospecção de petróleo dentro da TI Andirá Marau, causando impactos sociais e ambientais na vida e nos costumes deste povo.

Segundo o CTI, os blocos oferecidos pela ANP também impactam 12 terras indígenas na bacia do rio Parnaíba (nos Estados de Maranhão e Piauí), afetando os povos Timbira, Guajajara e Awá-Guajá.

O geógrafo Conrado Octávio afirmou que mesmo que os blocos não estejam sobrepostos a terras indígenas, o fato de estarem no entorno imediato e, em alguns casos, a apenas poucos metros, há impactos sociais e ambientais decorrentes de atividades exploratórias.

“Durante os levantamentos sísmicos, por exemplo, há intenso trânsito de pessoal, aeronaves e outros maquinários, abertura de picadas, o que afugenta animais de caça, implica riscos de transmissão de doenças aos povos indígenas, dentre outros impactos. A perfuração de poços traz mais impactos, que serão ampliados em muito, caso sejam encontradas reservas economicamente viáveis de petróleo e/ou gás e se entre em fase de produção – o que irá implicar, por exemplo, a construção de infraestrutura pesada, riscos de contaminação de água, derramamentos”, disse o geógrafo.

Ele lembrou que as experiências de atividade petrolífera em territórios indígenas ou em seu entorno já demonstraram todos os impactos mencionados e muitos mais, inclusive no Brasil.

Conrado Octávio destacou que a ausência de consulta aos povos indígenas afetados e à Funai é muito grave, embora, segundo ele, isso seja o padrão no país.

“No caso da Funai, isso demonstra que nem mesmo internamente, ao governo tem havido preocupação em planejar adequadamente empreendimentos, respeitando direitos já estabelecidos. Dentre as áreas que vão a leilão, há reivindicações de terras indígenas ainda não atendidas, o que pode significar existirem sobreposições”, observou.

No texto de apresentação do pré-edital, a ANP diz o seguinte: “Os blocos oferecidos foram selecionados em bacias de elevado potencial, de novas fronteiras e bacias maduras, com os objetivos de ampliar as reservas e a produção brasileira de petróleo e gás natural, ampliar o conhecimento das bacias sedimentares, descentralizar o investimento exploratório no país, desenvolver a pequena indústria petrolífera e fixar empresas nacionais e estrangeiras no país, dando continuidade à demanda por bens e serviços locais, à geração de empregos e à distribuição de renda”.

A 13ª Rodada de Licitações contempla 266 blocos, distribuídos em 10 bacias sedimentares: Amazonas, Parnaíba, Potiguar, Recôncavo, Sergipe-Alagoas, Jacuípe, Camamu-Almada, Espírito Santo, Campos e Pelotas.

Funai se manifestou no edital da 12a. rodada de leilões da ANP

Moradia do povo indígena Mura, no Amazonas. (Foto: Ascom/MPF)

Moradia do povo indígena Mura, no Amazonas. (Foto: Ascom/MPF)

 

Em nota na qual responde os questionamentos da Amazônia Real, a Funai disse que a ANP não lhe comunicou formalmente sobre o leilão . O órgão indigenista informou que não foi notificada e que teve acesso aos dados pelo site da ANP na internet.

Por conta disso, a Funai diz que encaminhou à ANP uma solicitação de adiamento, por 20 dias, do prazo para contribuições ao pré-edital, publicado no Diário Oficial da União no último dia 02 de julho de 2015, com vistas a permitir a conclusão das análises e a devida manifestação da Funai.

A Funai afirmou que, por meio de suas diretorias de Proteção Territorial (DPT) e de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável (DPDS), está analisando os dados locacionais das Bacias Sedimentares e Setores oferecidos, disponíveis no site da ANP, para verificar a possível existência de blocos com incidência em área com registro de índios isolados e sobreposição a áreas com reivindicação fundiária.

O órgão disse também que a 13ª rodada de leilões se difere da 12ª, quando a ANP lhe encaminhou informações prévias. A 12ª Rodada foi lançada em 2013. Na época, um dos blocos oferecidos estava próximo da Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas, onde vivem populações de seis etnias e grupos de índios isolados (saiba mais sobre o assunto).

Além do pedido de afastamento da TI Vale do Javari, a Funai também pode se manifestar sobre a sobreposição de blocos da 12ª Rodada à Terras Indígenas e a áreas com reivindicações fundiárias.

ANP diz que solicitou análise das áreas para a Funai

Mulher indígena Mura, em sua terra. (Ascom/MPF)

Mulher indígena Mura, em sua terra. (Ascom/MPF)

Em nota, a ANP respondeu que realiza, previamente à Rodada de Licitações, a avaliação da sobreposição dos blocos com potencial de licitação com áreas legalmente protegidas, entre elas terras indígenas, onde as atividades de exploração e produção são proibidas. A ANP diz que, caso seja constatada esta sobreposição, a ANP adequa o formato do bloco exploratório.

“Assim, a ANP possui conhecimento da existência de territórios indígenas nas proximidades dos blocos localizados na Bacia do Amazonas e, de acordo com a atual base de dados disponível, é possível afirmar que não há sobreposição de blocos com terras indígenas”, diz a nota.

O órgão informou que, mesmo tendo constatado que não há sobreposição, encaminhou um ofício para a Funai solicitando uma análise das áreas em estudo para a 13ª Rodada, para corroborar a ausência de sobreposição com terras indígenas. A ANP disse que, até o momento, a Funai não respondeu ofício.

A assessoria da ANP disse também que é “importante ressaltar” que a Funai poderá ser ouvida no processo de licenciamento ambiental, de acordo com o rito definido pela Portaria Interministerial nº 60/2015.

“Apesar de a Portaria abranger apenas o licenciamento de empreendimentos a cargo do Ibama, a mesma pode vir a balizar o licenciamento em âmbito estadual, em situações equivalentes às mencionadas na norma federal”, relata a nota.

O Ministério Público Federal do Amazonas também foi procurado para falar sobre o assunto. O órgão informou que desde 2014, apura, por meio de inquérito civil público, os impactos das atividades de exploração petrolífera decorrentes da 12ª rodada de licitações da ANP sobre a Terra Indígena Kulina do Médio Juruá, nos municípios de Eirunepé, Envira e Ipixuna, no Amazonas. A apuração está em andamento, disse o MPF. “O MPF requisitou uma série de informações à presidência nacional da Funai acerca do projeto e está analisando alguns documentos encaminhados pelo órgão”, informou.

Em relação aos novos blocos a serem leiloados na 13ª rodada, o MPF/AM informou que já tem conhecimento da informação referente à proximidade de terras indígenas e vai analisar as medidas possíveis de serem adotadas, em conformidade com o entendimento da instituição em nível nacional referente à questão, já que não se trata de questão restrita ao Amazonas.

– Esta matéria foi originalmente publicada no Amazônia Real e é republicada através de um acordo para compartilhar conteúdo.

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