O evento foi uma mobilização realizada pelas organizações de movimentos sociais dos municípios paraenses de Santarém, Itaituba, Jacareacanga e Aveiro. Essas organizações estão unificadas no movimento Tapajós Vivo, com sede em Santarém.

Itaituba (PA) – O recente arquivamento da licença ambiental que autoriza a construção da Usina Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, no Pará, pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) foi comemorado como uma vitória pelos índios Munduruku e ribeirinhos que participaram da 2a. Caravana em Defesa do Rio Tapajós. A mobilização contra os projetos de grandes empreendimentos nos rios da Amazônia faz as lideranças dos movimentos sociais manter o alerta. A resistência aos projetos do governo federal, que preveem a construção de um conjunto de usinas hidrelétricas na região, saiu mais fortalecida do evento, que reuniu cerca de 1.100 pessoas entre os últimos dias 26 e 28 no município de Itaituba, no sudoeste do Pará.

Entre as obras previstas pelo governo na chamada “fronteira hidrelétrica” da bacia do rio Tapajós -e outros afluentes do rio Amazonas – estão as obras de duas grandes barragens: Jatobá e Chacorão. Há, ainda, 40 usinas de pequeno porte, entre elas, quatro no rio Jamanxim, seis no Teles Pires e 30 no Juruena e seus afluentes. Essas obras irão provocar impactos socioambientais em inúmeras comunidades indígenas e ribeirinhas do oeste e sudoeste do Pará, tendo reflexo, inclusive, nos estados do Mato Grosso e Amazonas.

A 2a. Caravana em Defesa do Rio Tapajós foi uma mobilização realizada pelas organizações de movimentos sociais dos municípios paraenses de Santarém, Itaituba, Jacareacanga e Aveiro. Essas organizações estão unificadas no movimento Tapajós Vivo, com sede em Santarém. O evento começou na sexta-feira (26) com uma grande passeata realizada no final da tarde, que percorreu três quilômetros das ruas de Itaituba. Neste domingo (28), foi encerrado com uma festa na orla da cidade e com um abraço simbólico nas águas do rio Tapajós.

Um dos atos políticos mais relevantes dos debates, que aconteceram no auditório Wilson Fonseca, no Campus Rondon da Universidade Federal do Oeste do Pará, foi a assinatura de uma carta que será enviada ao Papa Francisco, no Vaticano, para que visite a Bacia do Tapajós em 2017.

Maria Leusa e Arnaldo Kaba Munduruku (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)

Arnaldo Kaba, cacique-geral dos Munduruku, disse que a caravana é relevante para unir os povos que lutam contra as barragens.

“Nesses encontros a gente vê e batalha também. Esse projeto do governo federal não é bom. Onde foi feito barragem o pessoal está sofrendo, peixe está morrendo. A gente está defendendo nosso Brasil. Como cacique-geral quase não durmo direito de tanta preocupação que tenho. A população Munduruku está crescendo e precisa lutar mais, ir aonde for preciso ir”, disse o cacique-geral Arnaldo Kaba Munduruku.

 

Ageu Lobo Pereira, representante da comunidade Montanha Mangabal, no Alto rio Tapajós, município de Jacareacanga, disse que o encontro na caravana e a união de indígenas e ribeirinhos permitem a troca de experiências para que seja possível ampliar a união dos povos impactados por hidrelétricas. Montanha Mangabal seria uma das comunidades inundadas pela usina de São Luiz do Tapajós. Mesmo com o arquivamento da licença ambiental, a comunidade continua ameaçada, desta vez pelo projeto da Usina Hidrelétrica de Jatobá.

“Aqui [caravana] considero como uma base. A caravana traz experiência e história de outros casos. Assim, ficamos informados e prontos para bater de frente contra o governo em relação a esse projeto”, disse Pereira.

Também participaram do evento indígenas do norte do Mato Grosso cujos territórios estão na rota das usinas hidrelétricas previstas para ser construídas nos rios Juruena e Jatobá, além de pesquisadores de instituições de pesquisa e de universidades e membros do Ministério Público Federal.

Auditório de reuniões da Caravana em Defesa do Rio Tapajós (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real).

Entre os presentes estavam o procurador regional da República, Felício Pontes Júnior, e Antônia Melo, a maior liderança do movimento Xingu Vivo contra a obra da usina hidrelétrica de Belo Monte. Em declaração à Amazônia Real, ela disse que sua contribuição e do movimento Xingu Vivo a Caravana do Tapajós foi levar a experiência negativa da construção de hidrelétricas nos rios da Amazônia. Segundo Antônia Melo, é necessário passar para os demais povos a experiência dos impactos das barragens. Antônia Melo foi uma das moradoras do município de Altamira que perderam sua casa para Belo Monte.

“É preciso que as pessoas se alertem. Alertem-se a respeito das propagandas do governo e das empresas que mentem para as pessoas das comunidades de que esses projetos trazem benefícios, melhorias de vida. Isso não é verdade. Acima de tudo trazer para essa população da caravana que a união e a organização são extremamente importantes para fortalecer as lutas contra a construção deste projeto. A força é enorme, mas depende de estar unido, organizado e consciente”, afirmou Pontes.

Na abertura dos debates, Felício Pontes Júnior enfatizou a necessidade de permanecer atento aos riscos dos projetos das barragens para a região, apesar do arquivamento do licenciamento de São Luiz do Tapajós.

“A vitória desse povo não é o fim da guerra, mas é uma importante batalha vencida. Temos muita coisa ainda pela frente. Ainda tem mais de 40 hidrelétricas para um dos mais afluentes do Tapajós, que é o Juruena. A estratégia [do governo e das empresas] agora é pegar os secundários. Mas isso vai atingir o principal”, disse o procurador.

O procurador destacou também a mobilização contra a barragem no Tapajós, lembrando que o que marcou a “destruição” da usina foi a ocupação, durante 30 dias em 2013, de cerca de 60 índios Munduruku dos canteiros de obra de Belo Monte. “Ali, eles chamaram a atenção para o que vinha em seguida, que era o Tapajós. Ali o mundo acordou para saber que não era só Belo Monte. Era muito maior”, afirmou.

Felício Pontes, procurador da República no Pará (Foto: Ana Mendes/Amazônia Real)

Um dos idealizadores do movimento Tapajós Vivo é o padre Edilberto Sena, que milita no movimento social há vários anos. Ele conta que surgimento da luta ocorreu na perspectiva das obras das barragens no Tapajós como um meio de buscar informações “sobre o que estava acontecendo”.

“Ninguém sabia de nada até 2009. Então, foram realizados seminários e encontros para compreender os impactos desses projetos. Em 2014 foi realizada uma caravana de visibilidade do movimento nas comunidades Pimental e São Luiz do Tapajós. A caravana surgiu para que os grupos se encontrassem e se reconhecessem”, disse o padre Edilberto Sena.

A 2a. Caravana em Defesa do Rio Tapajós foi realizada em Itaituba como um modo de sensibilizar a sociedade urbana do município. “Desta vez, estamos realizando estudos, debates e comprometimentos para unir as forças”, afirmou o padre Sena.

Segundo publicação da organização International Rivers, estão previstos pelo menos 40 projetos de exploração de energia da bacia do rio Tapajós, especialmente entre seus afluentes. Este conjunto de hidrelétricas, sendo que muitas delas consideradas de pequeno porte -as chamadas Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) – ctausam tantos impactos quanto as grandes usinas, e é esta ameaça que tem assustado os indígenas e ribeirinhos que vivem nestas bacias.

A publicação da International Rivers se chama “Oce kadi – Hidrelétricas, conflitos socioambientais e resistência na bacia do Tapajós” e reúne 25 artigos de pesquisadores que atuam na bacia do Tapajós. O livro foi lançado durante a 2a. Caravana em Defesa do Rio Tapajós.


– Esta matéria foi originalmente publicada no Amazônia Real e é republicada através de um acordo para compartilhar conteúdo.

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