Indígenas, ribeirinhos e agricultores familiares se reúnem para discutir estratégias para produzir e preservar com valorização e integração da Terra do Meio, no Pará.

Ribeirinhos, indígenas e agricultores familiares se reuniram na Reserva Extrativista (Resex) Rio Iriri, no Pará, em uma intensa troca de saberes sobre a diversidade socioambiental, a cultura e o território da Terra do Meio — mosaico de áreas protegidas localizada entre os rios Xingu e Iriri que abriga uma enorme diversidade socioambiental. A Semana do Extrativismo é um dos principais eventos de articulação dos atores das diferentes cadeias de valor dos produtos do extrativismo, como a castanha, borracha da seringa, coco babaçu e copaíba.

Em sua 3a edição, realizada no pólo Manelito entre os dias 11 e 15 de maio, trouxe mais de cem participantes, entre ribeirinhos das três Resex da região — Riozinho do Anfrísio, Rio Iriri e Rio Xingu — , agricultores familiares de Uruará, e indígenas Arara, Xikrin, Xipaya, Kuruaya e Parakanã.

Debates e oficinas aconteceram na escola do pólo Manelito, na Resex do Rio Iriri. Foto: Rafael Salazar

“Estou rodeado de potência aqui”, comenta Assis Porto de Oliveira, o seu Assis, da Resex Rio Iriri. “As comunidades indígenas e ribeirinhas estão juntas nessa caminhada, e está dando resultado e vai dar mais resultado ainda”. O fio condutor do encontro é debater a produção, mas além disso, ganha-se muito na discussão sobre a gestão do território. “É um evento cada vez mais político e que integra o território da Terra do Meio”, explica Jeferson Straatmann, coordenador adjunto do Programa Xingu do Instituto Socioambiental.

“Não só manter a floresta em pé, mas ficar em pé com ela”

Crianças Xikrin também participaram das atividades. Foto: Rafael Salazar

A relação dos povos com a floresta é maior do que os produtos que são extraídos dela. A mata é um sistema de relações e valores que vão além de um serviço a ser prestado para a subsistência. É nela que se concretiza o modo de ser e de se relacionar dos indígenas, ribeirinhos e agricultores familiares. “Temos que ter o orgulho de mostrarmos que somos da mata e que temos o conhecimento de como vive nela, carregando a nossa cultura. Não tendo vergonha de falar que dependemos dela”, escreveu Denis Cruz Araujo, do povo Kuruaya, quando questionado sobre o valor de sua identidade no curso de Gestão Territorial, que ocorreu logo após o término da Semana do Extrativismo.

É no uso tradicional da floresta feito pelos povos da região que ela se mantém viva. Herculano de Oliveira, da Resex Riozinho do Anfrísio, conta que antes tinha vergonha de sua identidade, de se apresentar como ribeirinho, mas que isso mudou quando passou a perceber o valor que sua cultura tinha:

“A gente era, e é malvisto. Essa identidade é pouco reconhecida, mas não por isso a gente desistiu, deixou de lutar. Passamos a conhecer que o nosso produto não tem valor só da qualidade, mas do modo de vida, de estar monitorando um território. O pessoal antes andava com a cabeça baixa na cidade, hoje anda com a cabeça erguida, sabe o seu valor”.

A comercialização dos produtos da floresta, que levam consigo as histórias dos povos que nela e dela vivem, é uma forma de proteger o território e fortalecer a identidade dos ribeirinhos e indígenas, responsáveis não só pela sua conservação, mas pela manutenção de um modo de vida integrado com a floresta.

“A gente quebra essa grande mentira que diz que povos indígenas e ribeirinhos não contribuem pro crescimento do país. Ao contrário, a gente trabalha de maneira sustentável, não derruba a floresta nem constrói hidrelétrica. A gente não vê a floresta como uma coisa que tem a obrigação de nos dar recurso, a gente tem que ver ela como parte de nós. Não é só manter a floresta em pé, mas ficar em pé com ela. Em nenhum momento trocamos a nossa vida, o nosso modo de viver, por outro que não é nosso”, atenta Juma Xipaya, cacique da aldeia Tukamã, Terra Indígena Xipaya.

Eu vivo da floresta

Reginaldo Pereira Nascimento, o seu Reginho, seringueiro há mais de 50 anos na Resex Riozinho do Anfrísio. Foto: Rafael Salazar

“A floresta é de onde eu tiro meu sustento, é onde eu criei meus filhos, onde meu pai me criou. Sem a floresta nós tamo arrasado, sem ela não tem uma chuva, tudo que plantar se acaba. Com a floresta em pé, tamo feliz com a nossa vida, criamos nossos filhos, e não é só eu mas todos os meus companheiros. Se ele [madeireiro] acabar com a floresta, tá arrasado eu e ele. O que eu mais gosto de fazer? Rapaz, o que eu mais gosto de fazer é cortar seringa, botar minha roça, e tratar bem da floresta!”

Juma Xipaya, cacique da aldeia Tukamã. Foto: Rafael Salazar

“A floresta pra mim é tudo. Não tem palavras suficientes pra dizer. Muitos já falaram ‘tem que manter a floresta em pé’, mas é muito mais do que manter a floresta em pé, e sim de se manter em pé com ela. É a raiz, é a nossa mãe. O significado não tem proporção, não tem tamanho, não tem palavras que possa traduzir, é só a vivência”.

Raimunda Rodrigues, coordenadora da miniusina do Rio Novo, no rio Iriri. Foto: Rafael Salazar

“A floresta é a nossa família, é nós. Ela nos dá de tudo, a gente tem que fazer de tudo pra preservar ela, sem ela não somos nada, nasci, me criei, vivendo disso, vivendo dela”.

Produtos da floresta, povos da floresta

A Semana do Extrativismo é uma oportunidade para os moradores da Terra do Meio dialogarem sobre as várias dimensões que envolvem a produção de itens como a castanha, coco babaçu e a borracha: a manutenção da cultura — concretizado no uso tradicional da floresta, a proteção do território e a conservação do meio ambiente.

Nos últimos seis meses foram comercializados:

  • 840 kg de óleos vegetais
  • 50 toneladas de castanha
  • Duas toneladas de mesocarpo de babaçu
  • Duas toneladas de castanha desidratada
  • 500 kg de sementes florestais
  • 5,24 toneladas de borracha

Mais do que o balanço numérico da produção, a questão colocada pelos participantes foi justamente quais os valores embutidos nestes produtos — para além do preço que lhes é atribuído para sua comercialização no mercado convencional.

“Vocês sabem que não estão produzindo castanha e borracha só para a sobrevivência de vocês, ao produzir isso vocês estão produzindo o que a humanidade mais precisa: a biodiversidade. A biodiversidade não é um museu, ela só se mantém porque vocês a cultivam”. (Ricardo Abramovay, professor da Universidade de São Paulo (USP) que também participou do encontro)

– Esta matéria foi originalmente publicada no Instituto Socioambiental e é republicada através de um acordo para compartilhar conteúdo.

Ainda não há comentários. Deixe um comentário!

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.