A Fundação Nacional do Índio publicou os estudos de identificação e delimitação de quatro terras indígenas, reconhecendo a ocupação tradicional dos povos que vivem nas áreas.

O passo seguinte à publicação dos estudos é a fase de contestação ou pedido de indenização de não-indígenas que vivem nos território demarcados. Este prazo é de 90 dias. Após o período, espera-se a homologação, assinada pela presidência da República.

O reconhecimento mais aguardado era o da Terra Indígena Sawré Muybu, localizado nos municípios de Itaituba e Trairão, no Médio Tapajós, sudoeste do Pará, que corre o risco de ter 7% da área inundada caso a usina São Luiz do Tapajós seja construída. O território é habitado tradicionalmente por índios Munduruku.

Os Munduruku de Sawré Muybu esperavam desde 2013 que o Relatório Circunstanciado, como é chamado o estudo, fosse publicado, mas o processo de demarcação começou em 2007, segundo a Funai. Há quase um ano, a Justiça Federal do Pará, acatando uma ação do Ministério Público Federal, ordenou que a Funai desse prosseguimento ao processo e publicasse o Relatório no Diário Oficial da União, o que aconteceu somente nesta terça-feira (19).

Os estudos apontam que a Terra Indígena Sawré Muybu tem 178.173 hectares, com uma população de 132 pessoas, número estimado em 2013. A população total de Munduruku no Tapajós é de 13 mil pessoas, segundo o IBGE.

Habitante da aldeia Praia do Mangue, localizada próxima a Sawré Muybu, Karo Munduruku, 33, disse à Amazônia Real que a notícia da publicação dos estudos causou “espanto” nos indígenas, diante das dificuldades que eles enfrentavam nos últimos tempos, mas a notícia era aguardada há muito tempo. Karo lembrou que dois anos atrás, foi iniciada uma auto-demarcação, maneira que os Munduruku encontraram para enfrentar a demora da Funai em dar continuidade ao processo. Karo afirmou que a auto-demarcação não será suspensa com a publicação dos estudos.

Segundo Karo, o reconhecimento do território indígena como originário dos Munduruku vai dificultar o licenciamento para as obras de uma das usinas do Complexo de hidrelétricas que o governo brasileiro planeja construir na bacia do rio Tapajós.

“Essa terra indígena fica num ponto estratégico das usinas hidrelétricas. Por isso que a publicação é uma vitória muito grande, veio na hora certa, pois vai ser mais difícil para construir a hidrelétrica. O governo sempre dizia que não havia território indígena nenhum nessa área Que isso não podia atrapalhar a construção da hidrelétrica. Mas agora reconheceu que é território Munduruku. Se for para construir hidrelétrica, agora (o governo) vai ter que estabelecer novas estratégias de diálogo com os indígenas”, disse Karo.

O reconhecimento do território indígena não será apenas um obstáculo para as usinas. Segundo Karo, também vai impedir a permanência de madeireiros e garimpeiros ilegais no território. Ele diz que a Sawré Muybu é constantemente invadida por estas atividades, mas os Munduruku não possuíam mecanismos legais para expulsar madeireiros e garimpeiros de sua terra. “Agora, com os estudos publicados, vamos ter como tirar”, disse.

Indagado sobre o momento político, no qual a presidente Dilma Rousseff corre risco de sair do governo, sobretudo após a votação do impeachment na Câmara dos Deputados no último dia 17, e se este cenário influenciou na decisão da Funai, ele disse que “muita gente tem falado isso”, mas que considera a aprovação dos estudos resultado da mobilização dos Munduruku e à pressão dos indígenas.

“Tem essa crise política. A gente nem estava esperando no momento, mas aconteceu. Mas acho que isso se deve mais à pressão dos Munduruku, que estão botando a cara à tapa, que vão a Brasília cobrar. Algumas pessoas me disseram hoje que se não for ela (Dilma) fazer, outros não farão. Mas acho que isso é resultado mais da pressão. Sawré Muybu já é terra indígena para os Munduruku, mas para o mundo não indígena temos que provar. Então, isso é importante para nós. Agora, a luta é para sair a homologação”, afirmou.

Karo Mucak Munduruku acredita que reconhecimento vai dificultar hidrelétrica. (Foto: Arquivo pessoal)

Karo Munduruku acredita que reconhecimento vai dificultar hidrelétrica. (Foto: Arquivo pessoal)

Sawré Muybu é o principal obstáculo para a construção da Usina São Luiz do Tapajós. Com seu reconhecimento, o governo brasileiro terá que consultar os indígenas e fazer estudos específicos no território. Por conta dessa obrigação, a Funai sofria forte pressão de outros órgãos do governo federal para não assinar o relatório da terra indígena, como admitiu a ex-presidente do órgão, Maria Augusta Assirati, durante reunião ocorrida em setembro de 2014. Na mesma reunião, ela afirmou que os estudos já estavam prontos desde 2013, faltando apenas publicar. Uma das lideranças presentes, Rozeninho Munduruku, respondeu a ela: “Se você tá na Funai você tem que defender o interesse nosso. O povo lá tá sofrendo. A gente veio aqui pra tratar de terra, pra tratar sobre a demarcação (…) se você não quer trabalhar na Funai, eu entregaria o cargo. Você não tem interesse em defender a nossa causa”. Meses depois, Assirati pediu exoneração do cargo (saiba mais aqui)

Em 2014, os Munduruku de Sawré Muybu iniciaram um processo de auto-demarcação, com abertura de picadas do território após constatarem a demora da Funai em publicar o relatório já concluído. Paralelamente, o Ministério Público Federal do Pará entrou com uma ação pedindo que a Justiça Federal obrigasse a Funai a publicar o estudo, que este já havia sido aprovado pela Diretoria de Proteção Territorial (DPT) do órgão.

Em sua sentença, o juiz Ilan Presser disse que a Funai devia dar imediatamente seguimento à demarcação pois, “do contrário, a publicação futura pode se tornar mera formalidade, destituída de qualquer valor prático. Isso porque as intervenções antrópicas na área, como a atuação de madeireiros, garimpeiros e, principalmente, a futura construção da usina São Luiz do Tapajós solaparão inexoravelmente os direitos originários da etnia Munduruku pelo fato consumado”.

Conforme o estudo assinado pela antropóloga Bruna Cerqueira Seixas, o p ovo Munduruku habita historicamente um grande território, que no passado abrangia a região de interflúvio entre os rios Tapajós e Madeira, na Amazônia Centro Meridional, em uma área de campina atravessada por tratos de floresta.

Em sua proposta de limite, a antropóloga responsável pelo estudo diz: “Em termos ambientais, a presente proposta de limites abrange as áreas necessárias ao bem-estar do povo indígena, às suas atividades produtivas e à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, correspondendo, portanto, ao disposto no artigo 231 da Constituição Federal vigente. Assim, estão asseguradas as condições de sustentabilidade dos recursos naturais imprescindíveis para a atual e as futuras gerações de indígenas que habitam a TI Sawré Muybu”.

O governo brasileiro planeja a construção de mais de 40 usinas hidrelétricas na bacia do Tapajós, segundo a ong Greenpeace. Terras indígenas e ribeirinhas deverão ser afetadas. Nos últimos anos, lideranças Munduruku têm denunciado em instâncias internacionais o que consideram violação de seus direitos constitucionais os projetos do governo brasileiro. No mês passado, lideranças Munduruku denunciaram o projeto das usinas para a relatora especial da ONU para povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz (leia aqui).

 

Análise da Funai apontou necessidade de remoção de aldeia

A Funai foi procurada pela Amazônia Real para responder sobre o curso do processo seguinte após a aprovação dos estudos. A reportagem também quis saber sobre a suspensão do licenciamento da usina São Luiz do Tapajós por parte do Ibama. A presidente do Ibama, Marilene Ramos, enviou um à Eletrobras suspendendo o processo de licenciamento. O ofício é assinado no mesmo dia em que a Funai publicou relatório circunstancial no DOU.

Em nota, a assessoria da Funai disse que o impacto da usina São Luiz do Tapajós na Terra Indígena Sawré Muybu, dos índios Munduruku, e a necessidade de remoção um das aldeias do território (aldeia Boa Fé) levaram o órgão a considerar inconstitucional do empreendimento e pedir a suspensão do licenciamento.

Segundo a Funai, fato dos povos indígenas terem o direito originário do território, conforme consta no Artigo 231 da Constituição de 1988, obrigaria que a instalação da usina São Luiz do Tapajós dependesse de autorização do Congresso Nacional. Segundo a Funai, a lei referente a esta autorização ainda não foi editada pelo poder público.

“Há de se salientar ainda que a exceção constitucional para a nulidade de posse das terras indígenas por terceiros somente ocorreria quando caracterizado o relevante interesse público da União, segundo o que [dispusesse] lei complementar; lei complementar também inexistente”, disse nota da Funai.

A análise dos impactos na TI Sawré Muybu começou em 2014, quando a equipe técnica da Coordenação Geral de Licenciamento Ambiental (CGLIC) da Funai analisou o Estudo do Componente Indígena da UHE São Luiz do Tapajós, elaborado pela Eletrobras Brasileiras/SA.

O estudo afirma que “diante da possibilidade de implementação do empreendimento AHE SLT (São Luiz do Tapajós), os Munduruku estão conscientes que a margem direita do rio terá o reservatório alcançando as terras deixando inviável a permanência das famílias no local”.

Segundo a assessoria da Funai, o processo então foi remetido para análise da Procuradoria Federal Especializada do órgão. Com a informação sobre a incidência do empreendimento em território tradicional, com provável remoção de aldeia, a Procuradoria chancelou o entendimento técnico quanto à inviabilidade do empreendimento em tela. Em fevereiro de 2016, por orientação do Ministério Público Federal, o parecer com as manifestações técnicas e jurídicas foi enviado ao Ibama.

Indagada sobre o fato da suspensão do licenciamento por parte do Ibama ter ocorrido no mesmo dia em que foi publicado no Diário Oficial da União a aprovação do relatório circunstanciado TI Sawré Muybu, a assessoria disse que foi uma “coincidência temporal”.

A assessoria disse que as manifestações técnicas e a nota da Procuradoria Especializada da Funai foram encaminhadas ao órgão ambiental licenciar dois meses antes da publicação do estudo no DOU.

No ofício encaminhado no dia 19 ao presidente da Eletrobras, Valter Luiz Cardeal de Souza, a presidente do Ibama, Marilene Ramos, diz que em atenção ao licenciamento ambiental do AHE São Luiz do Tapajós, esclarece que as informações repassadas pela Funai no dia 26 de fevereiro de 2016, apontam para a inviabilidade do projeto sob a ótica do componente indígena e recomendam a suspensão do processo de licenciamento ambiental enquanto não adotadas providências que vão além das atribuições do Ibama, da Funai e da Eletrobras.

Indígenas Munduruku reúnem-se para discutir a situação de seu território. (Foto: Murilo Hildebrando de Abreu/MPF-PA)

Indígenas Munduruku reúnem-se para discutir a situação de seu território. (Foto: Murilo Hildebrando de Abreu/MPF-PA)

Estudos do território Guarani e no Amazonas

Também foram publicados no Diário Oficial da União os estudos da Terra Indígena Jurubaxi-Téa, nos municípios de Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro, no Amazonas, com uma extensão de 1.208.155 hectares, habitada pelos indígenas Baré, Arapaso, Baniwa, Desana, Kuripaco, Nadöb, Pira-Tapuya, Tikuna, Tukano e Tariana.

Outro estudo publicado foi o da Terra Indígena Ypoi/Triunfo, do povo Guarani Ñandeva, que possui 19.756 hectares e localizada no município de Paranhos, Mato Grosso do Sul. Os Guarani Ñandeva, segundo a Funai, foram esbulhados de seu território de ocupação tradicional e compulsoriamente transferidos para Reservas Indígenas constituídas no início do século XX ou então permaneceram em áreas de matas no interior de fazendas.

Segundo informou a Funai em seu site, mesmo em condições adversas e de submissão, os Guarani Ñandeva nunca deixaram de acessar sua área de ocupação tradicional. Em 2009, em uma tentativa de recuperação da posse do Tekoha Ypoi, dois professores indígenas foram brutalmente assassinados.

Outra Terra Indígena que teve os estudos reconhecidos é Sambaqui, de 2.795 hectares, ocupada pelo povo Guarani Mbya, localizada no município Pontal do Paraná, no Paraná. Segundo a Funai, o passado histórico da região e a farta documentação comprovam a presença indígena e o movimento da etnia Mbya em busca de antigos territórios na costa litorânea desde os anos 1940. Evidências coletadas mostram que parte da área de Pontal do Paraná, onde se localiza a Terra Indígena Sambaqui, é ocupada por esse grupo indígena.

– Esta matéria foi originalmente publicada no site Amazônia Real e é republicada através de um acordo para compartilhar conteúdo.

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