Convergência entre frente fria e fumaça de queimadas das regiões Norte e Centro-Oeste potencializou fenômeno que surpreendeu paulistanos com ‘anoitecer’ no meio da tarde e chuva acinzentada há um ano.

A poluição atmosférica das queimadas, tanto de parte da Amazônia quanto do Pantanal, são carregadas quase todos os anos para as regiões Sul e Sudeste do Brasil.

Normalmente, a pluma de material particulado rastreada pelas imagens de satélites, primeiro, atinge milhares de quilômetros de altura. Ela é empurrada em direção ao Oceano Pacífico pelos ventos, mas para antes, na Cordilheira dos Andes. Tudo o que é acumulado do lado leste da região andina, quando o sistema anticiclone de ventos entra em ação, costuma ser direcionado para o sul do continente.

Em agosto do ano passado, sistemas de monitoramento climáticos, como o do Inpe e da Nasa, mostram que, no dia 16 de agosto, quatro dias antes de a tarde paulistana ficar estranhamente cinza, o ‘rio de fumaça’ causado pela grande quantidade de queimadas descia direto para Porto Alegre (RS) e parte da Argentina.

A partir daquele momento, os registros mostram que uma outra condição climática também bastante comum no inverno brasileiro passaria a atuar de forma decisiva.

“Sim, as emissões das queimadas na Amazônia e no Pantanal/Chaco estavam sendo transportadas para a região do estado de São Paulo pelas correntes de ar típicas da estação do ano e claramente visíveis nas imagens de satélites”, afirma Alberto Setzer, pesquisador do Inpe e um dos maiores especialistas do país em monitoramento de queimadas.

O pesquisador explica que “análises químicas da precipitação confirmaram a contaminação da água pelas queimadas, e este tipo de fenômeno já foi registrado no passado nas regiões Sul e Sudeste do país. Mas a escuridão na cidade de São Paulo foi devida aos tipos de nuvens associadas à entrada de uma frente fria proveniente do sul, com altitude acima da superfície baixa (até algumas centenas de metros) e média (poucos quilômetros), muito densas, a ponto de bloquearem significativamente a passagem da luz solar”.

Em 19 de agosto de 2019, aerossóis de queimadas das regiões Norte e Centro-Oeste interagiram com nuvens de frente fria da região Sul, ‘turbinando’ o escurecimento do céu e da água da chuva. Imagem: EarthNull.

Dispersão de aerossóis (PM 10 μm) na manhã de 19 de agosto de 2020 mostra a dinâmica do sistema atmosférico ativo um ano depois do escurecimento repentino da tarde paulistana. Imagem: EarthNull.

Segundo Setzer, o escurecimento do céu por nuvens é reportado ocasionalmente em várias partes do planeta. “Se o escurecimento fosse causado pela fumaça das queimadas, a consequência seria de alguns milhões de mortos por asfixia e problemas respiratórios – o que obviamente não ocorreu”, afirma, lembrando que a rede de medição de poluição atmosférica da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) não indicou valores excepcionais.

Apenas a entrada da frente fria seria suficiente para gerar o escurecimento da tarde na Grande São Paulo, segundo os cientistas. Mas, como a região também estava recebendo poluentes lançados ao ar pelas queimadas, houve uma potencialização do fenômeno, segundo Paulo Artaxo, físico e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP).

As partículas de poeira, por exemplo, acabaram virando núcleos de condensação da água. Com uma grande quantidade de gotículas sendo formadas na atmosfera da capital paulista, mais radiação solar foi refletida para o espaço, bloqueando ainda mais a luz solar.

Segundo Artaxo, a nuvem foi de aerossóis de queimadas, mas eles podem não ter vindo da Amazônia. As trajetórias de massa de ar indicam que elas podem ter vindo de Mato Grosso do Sul, mais associadas ao norte do Pantanal e ao Brasil Central.

Partículas de queimadas vindas das regiões Centro-Oeste e Norte interagiram com nuvens trazidas por frente fria vinda do sul, entre os dias 16 e 20 de agosto de 2019. Imagem: CPTEC/INPE, por Agência Fapesp.

Fenômenos como os que ocorreram há um ano, segundo o físico da USP, tanto podem se repetir, e as queimadas continuam em alta tanto na Amazônia quanto no Pantanal, como também podem ser previstos.

“É possível prevê-los. Os modelos regionais meteorológicos hoje são muito bons. O mais difícil é saber o exato impacto (por exemplo, localmente, o céu virar noite), pois, depende da interação da pluma transportada a longa distância com questões meteorológicas locais”, avalia Artaxo.

Esta reportagem faz parte do Amazônia Sufocada, projeto especial do InfoAmazonia que tem o apoio do Rainforest Journalism Fund/Pulitzer Center. 

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