Indígenas bloqueiam BR-163 reivindicando assistência de saúde e proteção dos territórios. Perto dali, queima a Floresta Nacional do Jamanxim, unidade de conservação com mais focos de incêndio na Amazônia.

Indígenas bloqueiam BR-163 reivindicando assistência de saúde e proteção dos territórios. Perto dali, queima a Floresta Nacional do Jamanxim, unidade de conservação com mais focos de incêndio na Amazônia. Foto de abertura: protesto de indígenas Kayapó fechou a BR-163, na altura de Novo Progesso (PA). Crédito: Mydjere Kayapó Mekragnotire

por Guilherme Guerreiro Neto, de Belém/PA

Os Kayapó Mekrãgnoti voltaram a interditar, no início da noite de hoje (18), a BR-163 no sentido Cuiabá (MT). A rodovia federal já havia sido bloqueada ontem pelos indígenas, em protesto. Hoje pela manhã, após a Justiça conceder liminar de reintegração de posse, a estrada foi liberada, mas lideranças Kayapó informaram que o ato continuaria e que voltariam a fechar a pista.

Após liberação determinada por decisão judicial, indígenas voltaram a bloquear BR-163 em Novo Progresso (PA). Foto: Patkore Kayapo

O protesto ocorre no sudoeste do Pará, na altura de Novo Progresso, onde ocorreu o ‘dia do fogo’ no ano passado. O município é cercado por conflitos e ameaças aos povos locais e à floresta. A BR-163, que passa por Novo Progresso, corta duas áreas que deveriam estar protegidas, mas são sufocadas por queimadas, pecuária, exploração madeireira, garimpo, vai e vem de grãos e, agora, pelo novo coronavírus.

De um lado da estrada, está a Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim, unidade de conservação federal com mais de 1,3 milhão de hectares. De outro, as terras indígenas Baú e Menkragnoti, dos povos Kayapó.

Na manifestação de ontem e hoje, os Kayapó Mekrãgnoti reivindicam assistência de saúde, proteção territorial, renovação do componente indígena do Projeto Básico Ambiental da BR-163.

Esse é também um ato contra a ferrovia Ferrogrão, sobre a qual os Kayapó não foram consultados e cujos impactos sobre os povos indígenas são subdimensionados pelo projeto de implantação.

Quanto à saúde, eles pedem reforma e contratação de profissionais para a Casa de Saúde Indígena (Casai), construção de postos de saúde nas aldeias, aquisição de equipamentos e testes rápidos para Covid-19, doença que está matando os mais velhos. 

“Nós já perdemos quatro bibliotecas vivas, nossos anciãos. O governo não tá nem aí, quer nos matar de tudo quanto é jeito. E aumentam os casos de Covid-19 por causa das coisas ilegais: garimpo, madeireira”, conta Mydjere Kayapó Mekragnotire, vice-presidente do Instituto Kabu, associação do povo Kayapó Mekrãgnoti.

Em documento encaminhado ao governador do Pará, Helder Barbalho, e à procuradora do Ministério Público Federal de Altamira Thaís Santi, o Instituto Kabu denuncia que o Hospital Municipal de Novo Progresso se encontra em estado precário, que faltam profissionais no atendimento da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e que as condições da Casai são insalubres. Os Kayapó esperam uma comitiva do governo que ouça as reivindicações e resolva os problemas.

Enquanto isso, do outro lado da BR-163, a Floresta Nacional do Jamanxim queima outra vez. É a unidade federal de conservação com mais focos de incêndio na Amazônia: ontem (17), eram 43, segundo dados do Inpe.

Floresta Nacional do Jamanxim, atingida pelo ‘Dia do Fogo’, é a terceira área de proteção mais desmatada da Amazônia, segundo o Inpe. Imagem da Flona em setembro de 2019, por Fernando Martinho/Repórter Brasil.

Em agosto do ano passado, a Flona estava entre as áreas de Novo Progresso atingidas pelo ‘dia do fogo’, como ficou conhecida a ação combinada e criminosa de empresários, fazendeiros e produtores rurais para incendiar matas protegidas. Até agora, ninguém foi sequer indiciado.

A recorrência das queimadas vai matando a vida que existe ali. “Em termos de biodiversidade, é uma tragédia. Há um aquecimento da borda da floresta. Os animais que não morrem, fogem”, explica o biólogo Rodrigo Printes, que foi chefe da Flona entre 2015 e 2017 – cargo que não existe mais – e é autor do livro Adeus Amazônia: conflitos agrários e socioambientais por trás do desmatamento no sudoeste do Pará. A Floresta do Jamanxim abriga animais raros, como o cachorro-do-mato-de-orelhas-curtas e o cachorro-do-mato-vinagre, a onça-parda e a onça-pintada, além de uma variedade de aves.

Queimadas registradas ontem, 17 de agosto de 2020, na Flona do Jamanxim, Novo Progresso, Pará (NASA Aqua/Terra Sensor MODIS).

Incêndios ilícitos são estratégias que podem ser usadas tanto para renovação de pastagem quanto para apropriação de terras públicas e expansão de área – após a retirada da madeira considerada boa.

Assim, além das queimadas, o conflito envolve questão fundiária, pecuária e exploração madeireira. Segundo Printes, de 10% a 12% da Flona já virou fazenda de gado. O boi avança sobre uma floresta que é destruída antes mesmo de ser conhecida. “Ainda está se descobrindo aquela biodiversidade, ao passo que ela está se perdendo”, diz o biólogo.

Considerando todo o município de Novo Progresso, foram registrados ontem pelo Inpe 170 focos de queimadas.

Em relação ao avanço da Covid-19, os dados de 17 de agosto da plataforma Brasil.IO, que compilam os dados das Secretarias de Saúde estaduais, contabilizavam 711 casos confirmados e 11 mortes.

Esta reportagem faz parte do projeto Amazônia Sufocada, que tem o apoio do Rainforest Journalism Fund/Pulitzer Center. 

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