Entre fevereiro e julho de 2020, novo sistema de monitoramento apontou 2.005 km² de desmatamento em quatro áreas críticas da Amazônia, contra 1.359 km² do DETER atual. Entenda como funciona o novo sistema de detecção de desmatamento em tempo real do Inpe.

Desde fevereiro deste ano, cinco áreas consideradas críticas para o desmatamento na Amazônia estão recebendo uma atenção especial do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Criado após o vexame internacional de queimadas e desmatamento recorde no ano passado — números que continuam altos este ano —, o DETER Intenso (DI) é um sistema ainda em fase de testes, mas promete aprimorar o monitoramento de perda de floresta e já apresenta dados preocupantes.

Entre fevereiro e julho de 2020, quatro das cinco regiões críticas registraram desmatamento 47% maior e quase o triplo (267%) de alertas de áreas desmatadas em comparação com o atual DETER (Detecção de Desmatamento em Tempo Real) no mesmo período.

Além de satélites óticos mais precisos e frequentes, os pesquisadores agora têm acesso a dados de um satélite com sensor radar, que reduz a influência da cobertura de nuvens no processo de interpretação de imagens, um dos desafios do monitoramento da Amazônia. Esse conjunto de ferramentas é utilizado  para medir com mais precisão a perda de floresta nativa — ou primária.

O sistema está sendo aplicado em fase de testes em cinco áreas prioritárias (chamadas de hotspots) indicadas pelo Ibama, que estão entre as mais desmatadas da Amazônia:  Anapú (PA), Apuí (AM), Candeias do Jamari (RO), Extrema (RO) e Novo Progresso (PA), que somadas totalizam 484.000 km².

As cinco áreas críticas monitoradas pelo DETER Intenso na Amazônia. Figura: Sistema de Informação Geográfica Forest Monitor (WebGIS) utilizado no mapeamento dos alertas.

 A análise dos dados da área de Novo Progresso, no sudoeste do Pará, está sob a responsabilidade da Secretaria de Meio Ambiente do Pará, e as demais são verificadas por intérpretes do próprio Inpe. Tentamos contato por e-mail e telefone com o governo do Pará, mas não obtivemos resposta sobre os dados analisados por eles com o DETER Intenso na região.

Em seis meses, o DI revelou 2.005 km² de desmatamento nas quatro áreas sob supervisão federal, contra 1.359 km² do DETER, sistema utilizado desde 2004 e aprimorado em 2014, nas mesmas áreas.

A precisão do novo sistema de monitoramento fica ainda mais nítida quando comparado o número de alertas de desmatamento de 1º de fevereiro a 30 de julho. O DETER atual apresentou 8.769 avisos no período, enquanto o DI encontrou 23.390 – quase o triplo (267%) de alertas no mesmo período.


Como funciona o DETER Intenso

Essa diferença pode ser explicada pela melhora na resolução espacial da imagem analisada, que passou de 56m do DETER atual para uma resolução de 10m no DI. Além disso, a utilização de um sensor radar a bordo do satélite Sentinel-1 permite detectar perda de floresta mesmo quando há concentração de nuvens, algo que satélites óticos não conseguem. 

Para Luis Maurano, coordenador do programa Deter Intenso, a maior mudança está no procedimento de obtenção das imagens para análise e redução do tempo de processamento de dados. Se no DETER o intérprete, como é chamado o funcionário que observa as imagens para encontrar áreas desmatadas, precisa baixar a imagem para a verificação, no DI tudo fica em um sistema de dados armazenados em nuvem

“Cada imagem que é baixada tem 1 gigabyte de tamanho. Se você pensar que são dezenas de imagens necessárias para cobrir a Amazônia diariamente, perdemos um bom tempo nesse processo. Então a maior mudança é que no DETER Intenso estamos levando o programa para perto da imagem, não o inverso. Isso agiliza o trabalho”, diz Maurano.

Esse sistema de detecção armazenado em nuvem, chamado de Forest Monitor, recebe imagens óticas de diversos satélites (Cbers-4, Landsat8 e Sentinel-2) e ainda imagens do sensor radar SAR a bordo do Sentinel-1. Com a integração desse sistema de satélites, é possível coletar imagens de um mesmo local a cada 24h. Essa taxa de revisitação de um dia é outra evolução em comparação ao DETER, que demora de três a cinco dias para ter imagens do mesmo ponto.

O desmatamento 47% acima do registrado atualmente e quase três vezes o número de alertas indicam que a maior parte dos casos detectados apenas pelo DI são de pequenas derrubadas de vegetação, que passaram a ser captadas com as melhorias do novo sistema. 

O DI continua em testes e seus resultados não são incluídos nos relatórios mensais do DETER disponíveis ao público. Atualmente os resultados do novo sistema são compartilhados com Ibama e ICMBio, além das secretarias de Meio Ambiente do Pará e de Rondônia, e do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia, para fiscalização e controle de desmatamento e degradação florestal.

Sistemas de alerta são frutos de estudos da década de 1970

Até chegar no DI, um longo caminho foi percorrido no Inpe. Já são mais de 40 anos de estudos e avanços tecnológicos na área de monitoramento por satélite.

Primeiros estudos sobre desmatamento na Amazônia com sensoriamento remoto foram feitos por servidores do Inpe na década de 1970

Coordenador do Programa Amazônia do Inpe em 2004, quando o DETER foi criado, o biólogo Dalton Valeriano cita que estudos de colegas feitos na década de 1970, aliados à pressão internacional, foram determinantes para que o governo brasileiro, então sob regime militar, implementasse o PRODES (Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite). 

“Na década de 1980, houve muita pressão internacional após um relatório do Banco Mundial apontando um alto desmatamento na Amazônia. Como alguns pesquisadores do Inpe já estavam com estudos acadêmicos sobre monitoramento por satélite em andamento, o governo implementou o PRODES”, lembra Valeriano.

O relatório anual de análise de desmatamento do PRODES continuou sendo produzido nas décadas seguintes, mas o fator temporal fazia com que seus resultados fossem utilizados em maior parte por pesquisadores. Faltava uma ferramenta que ajudasse na fiscalização de órgãos ambientais contra o desmatamento, em tempo real. Isso veio nos anos 2000, novamente com desmatamento alto e pressão internacional.

Em 2004, o governo Lula implementou um projeto amplo de combate ao desmatamento, batizado de Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). Nessa época, o Inpe já tinha estudos preliminares para um sistema de alerta com taxa de revisitação de 16 dias. Esse sistema, batizado de DETER por Valeriano, chegou a ter um concorrente dentro do governo.

“Teve um reunião no Ministério da Ciência e Tecnologia, onde o governo pedia uma solução. O Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia) apresentou um sistema bem parecido, mas que só poderia começar a operar em maio de 2005. O nosso já estava pronto, então assim nasceu o DETER”, conta Valeriano.

Nos primeiros meses, os alertas eram encaminhados em relatório mensais ao Ibama, mas isso foi sendo aperfeiçoado, diminuindo a taxa de revisitação para dois dias. Mas a principal mudança ocorreu em 2014, quando o DETER foi aprimorado para DETER-B, substituindo o satélite MODIS, que detectava desmatamento até 25 hectares, pelos satélites CBERS-4 e IRS, com capacidade de observação de supressão de vegetação até 3 hectares. 

“O desmatamento diminuiu bastante nos anos após a implementação do DETER. Mas voltou a crescer em 2011 e com o DETER-B percebemos que de 60 a 70% dos desmatamentos passaram a ser menor que 25 hectares. Ou seja, os desmatadores se adaptaram para evitar a fiscalização. Às vezes precisamos lembrar que do lado de lá também tem atores”, observa Luis Maurano. 

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