Ele também afirma que para combater as doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti a melhor forma é a prevenção. “A única ferramenta que nós temos ainda é o combate ao vetor”.

O vírus zika, transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, foi descoberto em 1947, durante um estudo em macacos sentinelas, na floresta de Zika, em Uganda, na África. O mosquito também transmite a dengue, a febre chikungunya e a febre amarela.

O primeiro caso de zika em humanos foi registrado na Nigéria nos anos 50. Depois foram notificados pequenos surtos na Ásia.

Para explicar como o vírus zika chegou às Américas, no Brasil e na Amazônia, a agência Amazônia Real entrevistou o pesquisador Felipe Gomes Naveca, de 38 anos, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no Amazonas. Ele é doutor em microbiologia, com ênfase em virologia, e trabalha desde 2008 com arbovírus: dengue, chikungunya, zika e febre amarela.

Segundo Naveca, depois de registros na África e Ásia, ocorreu um grande surto de zika na Polinésia Francesa, na região da Micronésia, na Oceania, em 2007. Entre 2012 e 2014, um grande surto da doença atingiu novamente essa região, dessa vez concomitante com dengue e chikungunya.

O vírus zika, conforme o pesquisador, chegou às Américas no final de 2014. “Foi na Ilha de Páscoa, no Chile, o primeiro país onde o vírus foi detectado, se espalhando depois pelas Américas”, disse.

A ameaça mundial à saúde pelo vírus zika foi alertada em março de 2016, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou que a doença tinha chegado em 31 países da América Latina, sendo que o Brasil era o mais atingido por um grande surto em linha crescente.

Segundo o Ministério da Saúde, o primeiro caso de doença pelo vírus zika no país foi confirmado em 2015. Em novembro do ano passado o governo brasileiro confirmou, pela primeira vez no mundo, a relação entre zika e a microcefalia e outras alterações do sistema nervoso. O governo estuda também a possível relação do vírus com a síndrome de Guillain-Barré.

O pesquisador diz que não há informações precisas de como o vírus zika ingressou na Amazônia, mas o primeiro caso foi no Pará, seguido do Amazonas, em 2015. Como no resto do Brasil, primeiro surgiram os casos de dengue e, em julho do ano passado, começaram as notificações de chikungunya.

Ele também afirma que para combater as doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti a melhor forma é a prevenção. “A única ferramenta que nós temos ainda é o combate ao vetor”, diz, alertando que na Amazônia, que abrange os Estados da Região Norte, por conta do calor e da umidade, o ambiente é propício para o mosquito.

“Ele se prolifera mais rápido, daí a necessidade de uma grande campanha de conscientização e educação no combate ao transmissor das doenças dengue, chikungunya e zika”, ressalta. Leia a entrevista Felipe Naveca a seguir:

O pesquisador da Fiocruz, Felipe Naveca (Foto: Alberto César Araújo/AmReal)

O pesquisador da Fiocruz, Felipe Naveca (Foto: Alberto César Araújo/AmReal)

Amazônia Real – O que é o vírus Zika?

Felipe Naveca – É um vírus da mesma família do vírus da dengue, da febre amarela, e que foi descoberto em 1947, durante um estudo em macacos sentinelas, quando se tentava isolar o vírus da febre amarela, no ambiente natural, na floresta de Zika, em Uganda, na África. E aí, verificou-se que aquele macaco que adoeceu não era de febre amarela, mas era de outro vírus do mesmo gênero, que depois foi classificado como Flavivirus, que é da mesma família, e vírus da zika, por conta do local onde foi isolado.

Amazônia Real – Quando ocorreu o primeiro registro de zika em humanos?

Felipe Naveca – Mais ou menos uns cinco anos [após o registro em macacos], até aparecer o primeiro caso em humanos. Foi também na África, na Nigéria. Depois disso começaram a aparecer pequenos surtos na África, depois na Ásia e aí, em 2007, aconteceu um grande surto na Polinésia Francesa, na região da Micronésia, onde houve um alerta de que aquele vírus que até então circulava na África, e esporadicamente era detectado em algumas regiões da Ásia, tinha alcançado grandes proporções de casos simultâneos. Esse foi o primeiro alerta, publicado em uma revista de grande importância na área científica. E depois, no final de 2012, começa um novo grande surto [de zika] também na Polinésia Francesa, em várias ilhas da região, concomitante com dengue e chikungunya, com o ápice em 2013 e 2014. Eles tiveram uma epidemia dos três vírus ao mesmo tempo. Depois o vírus zika chegou às Américas, no final de 2014. Foi na Ilha de Páscoa, no Chile, o primeiro país onde o vírus foi detectado, se espalhando depois pelas Américas.

Amazônia Real – E no Brasil?

Felipe Naveca – No Brasil, foi registrado na metade de 2015. O primeiro relato foi na Bahia, entre setembro e outubro, quando estavam estudando os casos suspeitos de dengue e chikungunya. Já sabiam que chikungunya estava circulando na Bahia, então os resultados foram negativos para os dois vírus [dengue e chikungunya]. Os pesquisadores de lá suspeitaram que poderia ser zika, então testaram para zika e deu positivo. Em seguida foi registrado no Rio Grande do Norte e vários estados deram alerta que estavam encontrando o vírus zika. Na Amazônia, foi detectado primeiro no Pará antes de ser detectado no Amazonas, igualmente no segundo semestre do ano passado, mas já no finalzinho do ano.

Amazônia Real – Como o vírus zika foi introduzido no Brasil?

Felipe Naveca – Há duas hipóteses: uma durante a copa do mundo e outra logo após, em eventos preparatórios para as olimpíadas. Teve outro evento grande que aconteceu de uma regata, um evento de pré-olimpíada, aonde vieram pessoas da Polinésia Francesa, onde já circulava o vírus.

Pesquisadora  em estudo sobre os mosquitos Aedes Aegypti. (Foto: Fiocruz)

Pesquisadora em estudo sobre os mosquitos Aedes Aegypti. (Foto: Fiocruz)

Amazônia Real – Como foi introduzido o vírus zika na Amazônia?

Felipe Naveca – De zika não temos essa informação, nem no Amazonas. De chikungunya tem uma suspeita muito grande de uma pessoa que esteve na Bahia, voltou nas férias e as pessoas da vizinhança dela foram os primeiros casos.

Amazônia Real – Quando a Fiocruz no Amazonas começou a atuar no diagnóstico do vírus zika?

Felipe Naveca – Começamos a atuar em julho do ano passado com os casos de chikungunya. Já apoiávamos a Fundação de Vigilância em Saúde e o Lacen [Laboratório Central de Saúde Pública do Amazonas] no diagnóstico, porque nós já estávamos trabalhando nesta área.

Então nos primeiros casos de chikungunya houve uma suspeita, testamos aqui e identificamos que era chikungunya, de pessoas que não tinham saído de Manaus, sendo os primeiros casos autóctones. O primeiro registro foi em uma mulher.

Depois disso, quando surgiram as primeiras suspeitas de zika, a Fundação de Vigilância em Saúde nos procurou da mesma maneira. E, trabalhando em parceria com o Instituto Evandro Chagas, do Pará, que é a referência nacional, verificamos que a Fiocruz tinha condições de fazer o diagnóstico em Manaus e começamos a fazer.

Amazônia Real – Com relação aos indígenas, eles fazem parte de um grupo de risco, apresentam maior suscetibilidade ao contraírem o vírus zika?

Felipe Naveca – Temos populações indígenas isoladas e populações indígenas que vivem em ambientes urbanos. Então, você vai ter variáveis diferentes. Se nesses povos mais isolados não tem Aedes aegypti, o risco de eles pegarem [a doença] é muito pequeno. Agora os índios que estão em comunidades mais urbanas, onde tem Aedes aegypti o risco é grande. Onde tem o mosquito, tem risco de pegar a doença.

Amazônia Real – O risco de complicações da doença é o mesmo para índios e não-índios?

Felipe Naveca – O risco é o mesmo, não tem nenhum estudo que comprove uma proteção ou suscetibilidade maior em populações indígenas. Esse é até um estudo interessante de fazer, mas nenhuma evidência aponta ainda um grupo específico fora crianças e idosos, naturalmente, porque são faixas etárias em que a pessoa tem imunidade reduzida, além de gestantes. É esse o problema.

A primeira morte de zika no Brasil ocorreu em uma pessoa que tinha lúpus, que é uma doença autoimune. Então já é uma doença que causa suscetibilidade maior a outras doenças. Já as outras duas pessoas que morreram por infecção do vírus não tinham nenhuma associação conhecida com uma doença assim.

Amazônia Real – É necessário fazer algum trabalho de prevenção específico com indígenas?

Felipe Naveca – Acho que trabalho de prevenção é importante sim, para todas as populações, sejam indígenas ou não. Os cuidados que temos que fazer com o vetor, cuidados de repelente, principalmente se você está vendo a presença de vetor no seu ambiente de trabalho ou não. Acho que todos os grupos sociais que você puder trabalhar essa questão da prevenção são importantes.

Laboratório de pesquisa da Fiocruz em Manaus. (Foto: Alberto César Araújo/AmReal)

Laboratório de pesquisa da Fiocruz em Manaus. (Foto: Alberto César Araújo/AmReal)

Amazônia Real – O melhor alerta ainda é a prevenção, né?

Felipe Naveca – Sim, o melhor alerta é a prevenção e a única ferramenta que nós temos ainda é o combate ao vetor. Se não temos uma vacina, não temos uma droga específica, você tem de combater o vetor. Nos países onde o vetor é controlado, onde quase não há presença do vetor, esses casos são esporádicos. Agora onde a gente tem registro muito grande do vetor, como aqui na Região Norte, até por conta do calor e da umidade, que é muito propício para o vetor, então ele prolifera mais rápido.

Amazônia Real – E os cuidados para evitar a proliferação do mosquito, tem algo que deve ser destacado além daqueles que já conhecemos?

Felipe Naveca – A gente sempre fala sobre isso, agora também é importante destacar que as pessoas têm que olhar até em locais improváveis. O mosquito Aedes aegypti é tão adaptado ao convívio humano, que em qualquer pequena fonte de água parada ele consegue colocar o ovo. E por conta do calor, típico do nosso país, ele acaba eclodindo até mais rápido que em regiões que são mais frias. O mosquito procura qualquer ambiente de água parada, qualquer coisa mesmo, uma tampa de garrafa, um copo plástico que ficou abandonado no quintal, uma calha de chuvas, que pode estar juntando água, então em lugares improváveis o mosquito consegue colocar ovos e eclodir.

Ao combater o Aedes aegypti você combate as três doenças simultaneamente e mais uma que a gente não tem registro urbano que é a febre amarela, que também pode ser transmitida pelo Aedes aegypti.

Amazônia Real – Todos os casos suspeitos de zika são analisados na Fiocruz?

Felipe Naveca – Eram analisados aqui até o início de março. Agora estão sob responsabilidade do Lacen. Todos os casos suspeitos eram coletados pelo Lacen, nas unidades que fazem o atendimento direto da população. Lá eram rastreados e inseridos no critério: se [o paciente] está até o quinto dia de febre e até no oitavo dia no caso de gestante – porque a gente tem que ter um cuidado maior com a gestante -, então esse material vinha para cá. Aqui fazíamos o teste de detecção de material genético do vírus. Depois enviávamos o resultado para o Lacen, que fazia a divulgação. Mas agora o Lacen está já está fazendo o diagnóstico.

Amazônia Real – Como é feito o teste que detecta a presença do vírus?

Felipe Naveca – O teste que é preconizado hoje é a detecção do material genético do vírus. É o teste mais sensível que tem, mais rápido de ser feito. Se o vírus está no material, seja no sangue, na saliva ou na urina da pessoa, o genoma dele, o material genético dele, está lá. Procuramos o material genético do vírus.

Recebemos a amostra, levamos ao laboratório, onde há uma série de etapas, em que a última se detecta se tem ou não a presença do material genético do vírus. Se tem, o exame vai acusar que tem e se não, a pessoa pode ter tido outra infeção, como dengue ou chikungunya, ou qualquer outra coisa que tenha dado um quadro febril.

Amazônia Real – Quais são os sintomas do vírus zika?

Felipe Naveca – O sintoma da doença é febre, normalmente uma febre baixa, um exantema, que é uma vermelhidão na pele, que normalmente está associado com muita coceira, conjuntivite em quase todos os casos, uma conjuntivite diferente da bacteriana, que não tem aquela secreção tão grande nos olhos, só vermelhidão. E aí tem outros sintomas que não são sintomas clássicos do zika, como dor no corpo, dor muscular muito intensa, algumas pessoas relataram edemas, inchaços nas mãos e nos pés. Agora tem as complicações que não se previa, porque não tinha sido descrito na literatura. Que são os casos associados com microcefalia, que na verdade a gente já está falando de síndrome congênita por zika, que é muito mais complexa que a microcefalia. Também há casos que foram associados de pós-zika por síndrome de Guillain-Barré, mas isso ainda não tem uma confirmação. Houve três óbitos no país por infecção por zika. Nenhum na Amazônia Legal. Na última quarta-feira, 13, um estudo do Centro de Controle e Prevenção dos Estados Unidos confirmou a relação entre zika e microcefalia já atestada pelo Ministério da Saúde brasileiro desde o mês de novembro do ano passado.

Amazônia Real – Como é o tratamento da doença?

Felipe Naveca – São tratados os sintomas para melhorias do estado geral do paciente, mas não existe uma droga específica para eliminar o vírus.

Amazônia Real – O que o vírus zika difere de dengue e chikungunya?

Felipe Naveca – Tem muita coisa que a gente ainda não sabe, por ser um vírus novo. Dengue é muito estudado há décadas, enquanto zika não, zika começa a chamar a atenção em 2012 e 2013, quando começa esse grande surto na Polinésia Francesa, então as informações que se tem são muito inferiores sobre o que se sabe da dengue.

Amazônia Real – Mas vocês estão trabalhando no “escuro”?

Felipe Naveca – Estamos descobrindo no meio de um grande problema. Toda hora tem uma coisa diferente. Microcefalia sempre existiu, só que eram alguns casos, e de repente aumentou em mais de 20 vezes no Nordeste, então há alguma coisa errada.

Amazônia Real – Como acontece a transmissão do vírus?

Felipe Naveca – Se qualquer pessoa viajar para um país onde está circulando o vírus zika ou algum estrangeiro vier para cá, por exemplo [corre-se o risco de contrair a doença]. Ele [estrangeiro] vem aqui e é picado pelo mosquito, esse período em ele ser picado e manifestar o início dos sintomas, varia mais ou menos até sete dias, ou podem ser cinco dias, ou oito dias, depende muito de uma pessoa para a outra. Então a pessoa volta até o país dela sem ter sintoma nenhum. Ao chegar ao país, ela manifesta os sintomas, esses sintomas que falei febre, dor no corpo, exantema. E se nesse país que ela volta tem o mosquito para continuar a cadeia de transmissão, inicia uma transmissão. Agora se vai para um lugar aonde não tem o vetor, não vai para frente.

Amazônia Real – Desses três vírus que atualmente circulam no país, qual apresenta maior risco?

Felipe Naveca – Dengue ainda é o maior problema de arbovirose, porque dengue tem muitos casos de óbito. Zika a gente está falando de três [mortes], enquanto dengue falamos de milhares. Então dengue ainda é o maior problema de saúde pública. No final do ano passado foi licenciada a primeira vacina para a dengue. Esperamos que nos próximos anos possa diminuir a carga da doença porque agora temos uma vacina que pode diminuir o número de casos. Enquanto chikungunya e zika a gente não tem uma vacina ainda. Chikungunya ainda tem vacina em fase dois, para zika ainda não temos nada. Temos agora o que está começando a se fazer nesse momento, que é muito precoce para se dizer do sucesso dessa vacina ou quando ela vai estar no mercado.

Amazônia Real – Vivemos uma epidemia de zika?

Felipe Naveca – Sim, vivemos hoje uma situação de epidemia. O nordeste brasileiro está na pior situação. O número de casos é muito maior lá, até por conta do maior número populacional, mais densamente povoado, do que a região norte. O que preocupa neste momento é que ainda estamos numa época de chuva, e, como ela está até um pouco atrasada neste ano, provavelmente vai se prolongar. E é nesse período que a gente tem mais dengue. E se temos mais dengue, provavelmente vamos ter mais zika também.

Amazônia Real – Quanto ao uso de repelentes, quais orientações?

Felipe Naveca – O uso de repelente é recomendado, e é importante lembrar que o produto tem um tempo de vida útil. Não adianta passar repelente de manhã e achar que ele vai te proteger o dia inteiro. Até dependendo da atividade, se você está suando muito, pegando muita chuva, isso pode diminuir o tempo de vida útil do repelente. Estudos mostram que é preciso recolocar o produto, para não perder o efeito. É preciso também ficar atento às orientações no rótulo.

Amazônia Real – Existem repelentes caseiros ou alternativas caseiras que funcionem?

Felipe Naveca – O que tem comprovação científica e que funciona é aquele repelente de tomada.

Amazônia Real – Fechar as portas ao anoitecer para impedir a entrada do mosquito também ajuda?

Felipe Naveca – Para o Aedes aegypti não adianta muito. Isso é mais para a malária. O anofelino tem esse comportamento, mas o Aedes aegypti não. Inclusive o período de maior atividade do Aedes é durante o dia, diferente do anofelino que é no anoitecer e no amanhecer. Ele pica muito mais durante o dia, mas também pica à noite, não é só durante o dia não.

Criança com microcefalia em Pernambuco. (Foto: SES-PE)

Criança com microcefalia em Pernambuco. (Foto: SES-PE)

Amazônia Real – O senhor faz algum alerta para quem pretende engravidar?

Felipe Naveca – O que a Organização Mundial de Saúde tem dito e o que a gente recomenda, é que a decisão tem que ser de cada mulher, de cada família, de engravidar ou não. Agora, engravidando, redobre os cuidados. Roupas compridas, repelentes, repelentes de tomadas, colocar barreiras, mosquiteiros nas janelas, tudo isso vai ajudar.

Uma coisa que é pouco falada e é que é importante dizer, é que mesmo a pessoa que já está com zika, dengue ou chikungunya, ela vai transmitir a doença, através da picada do mosquito. Então [mesmo infectada] ela tem que usar repelente, porque aí evita que os mosquitos piquem essa pessoa e continuem a cadeia de transmissão. A pessoa que está doente vai continuar transmitindo. Ela tem que se proteger.

Amazônia Real – Assim como a dengue, o zika tem mais de um sorotipo?

Felipe Naveca – Não, todas as informações que temos até o momento mostram que só existe um tipo de zika. E existindo mesmo só um, só se pega [a doença] uma vez.

Amazônia Real – Em referência ao beijo e a relação sexual, há estudos sobre esses meios de transmissão?

Felipe Naveca – Isso precisa de melhor comprovação, mas a transmissão sexual de zika já é documentada cientificamente há alguns anos. Numa situação até de um pesquisador americano que esteve em uma área de zika, na África, pegou zika, voltou para os Estados Unidos e passou zika para a esposa. Então, é uma forte evidência de transmissão sexual. Não tinha o vetor para transmitir o vírus lá e só a esposa, com quem teve o contato íntimo, é que teve o quadro de zika.

Foi detectada recentemente, inclusive por pesquisadores da Fiocruz do Rio de Janeiro, a presença do vírus zika de forma infecciosa na saliva. Isso é um forte indício que tem que ser mais bem estudado, mas não é uma comprovação de que é uma via de infecção. Existem mais fatores que têm que ser avaliados.

Amazônia Real – O vírus zika pode sofrer mutação? Já foi divulgado pelos órgãos de saúde que o vírus que circula no Brasil é o mesmo que circulava na Polinésia Francesa, há muitos anos. Há diferenças?

Felipe Naveca – Existem diferenças. Para zika ainda não temos essa informação, é o que todos os pesquisadores estão querendo entender. Mas eu vou te dar um exemplo de chikungunya: entre 2004 e 2006, houve uma expansão gigantesca do número de casos de chikungunya. E porque isso estava acontecendo de maneira tão forte, tão drástica? Aí foi detectada uma mutação no vírus que o fez ser mais infeccioso para Aedes albopictus, que é outra espécie de Aedes. Só que era a principal espécie naquela região na costa africana. Essa mutação fez o vírus ficar mais eficiente, de infectar o mosquito e transmitir [o vírus] com mais eficiência. Se isso aconteceu com zika, a gente ainda não sabe. Mas é a pergunta que todos os pesquisadores estão correndo atrás para tentar entender.

Amazônia Real – Como ocorre a infecção do vírus?

Felipe Naveca – O vírus zika infecta praticamente todas as células do corpo. Ele não fica em um órgão só, é uma virose. O vírus começa infectando células da pele, pois é onde o mosquito pica, e são células que fazem nossa proteção, são barreira da epiderme, só que depois ele se espalha. Então células da própria defesa do corpo, depois de infectadas, levam para o resto do organismo.

Em casos suspeitos, fazemos a coleta de sangue, separamos o soro ou plasma do sangue e testamos para saber se vai ter a presença do vírus. Fazemos o teste com reagentes para procurar o material genético do vírus. Em alguns casos, a gente testa urina também. Porque a urina tem sido um material interessante, ficando mais tempo positiva.

Amazônia Real – Até agora o vírus zika que tem sido isolado é o mesmo?

Felipe Naveca – Até agora, sim. Pequenas diferenças vão existir. Mas isso acontece normalmente com qualquer vírus dessa família. Não conseguimos identificar nenhuma diferença que chamasse a atenção. Mas ainda temos muita amostra para testar que ainda não conseguimos dar conta.

Amazônia Real – A Fiocruz tem laboratórios e verbas específicas para esse trabalho de pesquisa do vírus zika?

Felipe Naveca – São diferentes fontes. Temos projetos de pesquisa que são financiados externamente, por exemplo, alguns projetos que são financiados pela Fapeam [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas], do Governo do Estado. Tem o CNPQ, que é um órgão federal e também temos recursos da Fiocruz que são colocados para esse tipo de situação, principalmente em casos de emergência. Nós fizemos o diagnóstico do vírus Zika, apoiando o Lacen, com recursos próprios.

Amazônia Real – Quanto já foi investido para o diagnóstico no Amazonas?

Felipe Naveca – Uma amostra é testada mais de uma vez. Já estamos com mais de 400 a 500 análises. Um exame, desse, saí em custo para gente em torno de R$ 40,00. Mas isso só em insumos, reagentes, não estou colocando na conta gastos com luz e a hora do trabalhador.

Amazônia Real – Quantos profissionais estão envolvidos no diagnóstico do zika na Fiocruz?

Felipe Naveca – Cinco, entre pesquisadores e alunos, que foram treinados e são profissionais de saúde que estão fazendo mestrado ou doutorado e que há anos já trabalham em dengue. As análises são feitas no próprio prédio sede da Fiocruz. O laboratório fica no terceiro andar.

Quero destacar que dois estudos brasileiros publicados recentemente em uma das revistas científicas mais importantes do mundo trazem novidades sobre o zika. Um deles fala que a entrada do zika no Brasil foi provavelmente em 2013 e não no ano passado. Esse estudo analisou amostras mais antigas. O outro estudo avalia a infecção experimental em células neuronais (que simulam o cérebro humano).

Amazônia Real – Que mensagem o senhor deixa para a população?

Felipe Naveca – Se prevenir e se informar nas fontes oficiais. Os cuidados têm que ser feitos o ano inteiro. Não é só num momento de epidemia que a gente tem que ir atrás dos criadouros, acabando com os mosquitos. Isso tem que ser feito o ano todo para que não aconteçam esses picos de casos nessa época de chuva.

Nesse momento de crise o Exército e toda a sociedade têm que agir, mas não se pode esperar somente a ida do poder público. Cada um tem que fazer a sua parte.

Saúde confirma dois casos de microcefalia no Amazonas

Fotografia de crianças com microcefalia da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS)

Fotografia de crianças com microcefalia da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS)

O Ministério da Saúde ainda não divulgou uma estatística contendo o total de casos de zika no país, mas incluiu os registros das doenças decorrentes do vírus na Lista Nacional de Notificação Compulsória e, em breve, deve divulgar um mapa com as notificações registradas nos municípios, Estados e no Distrito Federal.

O governo do Amazonas divulgou as notificações de casos de zika. Segundo a Fundação de Vigilância em Saúde (FVA), órgão ligado a Secretaria Estadual de Saúde (Susam). Veja o infográfico abaixo:

Já com relação aos casos de microcefalia, o Ministério da Saúde tem divulgado boletim epidemiológico semanal. No último que saiu na terça-feira (12), o órgão anunciou que até 9 de abril foram confirmados 1.113 casos da doença em todo o país.

Um total de 7.051 notificações foram registradas desde o mês de outubro de 2015. Foram descartados 2.066 casos. Outros 3.836 estão sendo investigados.

O Ministério da Saúde afirma que considera que houve infecção pelo zika na maior parte das mães que tiveram bebês com diagnostico final de microcefalia.

Na região Norte são 239 casos de microcefalia em investigação, sendo confirmados nove nos Estados: Amapá (3), Amazonas (2), Pará (1) e Rondônia (3). Veja o infográfico do Estado do Amazonas abaixo:

Como ocorre a transmissão?

O mosquito Aedes aegypti transmite os vírus da dengue, zika e do chikungunya.

Sintomas?

O vírus zika causa febre intermitente, erupções na pele, coceira e dor muscular. Os sintomas da doença desaparecem no período de 3 até 7 dias.

Tratamento?

O Ministério da Saúde recomenda o uso de paracetamol ou dipirona para controle da febre e da dor. Não é indicado a medicação ácido acetilsalicílico (aspirina) por causa do risco de aumentar as hemorragias. Não há vacina.

Mais informações na página da Mobilização Nacional de Educação Zika Zero do governo brasileiro aqui.

O combate ao mosquito Aedes aegypti ainda é a melhor solução contra as doenças. (Foto: OPAS)

O combate ao mosquito Aedes aegypti ainda é a melhor solução contra as doenças. (Foto: OPAS)

– Esta matéria foi originalmente publicada no Amazônia Real e é republicada através de um acordo para compartilhar conteúdo.

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